A gente não se vê na Globo! O “caça às mulatas” e a luta feminista
Na foto, as bundas das mulheres negras expostas como
produtos em prateleira de supermercado. Para completar a crueldade racista,
Sheron Menezzes, uma das poucas atrizes negras da Globo, foi a apresentadora do
concurso. Fonte: Instagram.
Por: Anaíra Lobo, Gabriela Silva e Maíra
Guedes*
A mídia brasileira desempenha papel fundamental
na manutenção do racismo e do machismo. Nas últimas três semanas, as mulheres
negras ocuparam o horário nobre na TV aos domingos (o que não é nada comum),
enquanto a Rede Globo realizava sua “caça às mulatas” para eleger a nova
Globeleza. Não, isso não é fantástico.
O corpo das mulheres negras é constantemente
hipersexualizado nas TVs: seja nas propagandas, nas novelas, nos programas de
esporte ou de auditório. A mercantilização da nossa sexualidade é naturalizada
para que as mulheres sejam cada vez mais exploradas. Nesse concurso, tentam mais
uma vez nos afirmar como coisas, objetos sexuais, sendo assim, nulas de vontade,
nascidas para atender ao desejo masculino. Um lucrativo produto vendido nas
propagandas, no Carnaval, nas Copas do Mundo e esquinas das avenidas.
A luta das mulheres contra a opressão e a
exploração e pela liberdade é histórica e cotidiana. Ao falarmos da formação
social e econômica do Brasil, falamos de uma história de resistência e
enfrentamento de mulheres indígenas e negras contra um sistema que estuprou,
explorou e destruiu muitos povos. Para as mulheres negras, que vieram na
condição de escravizadas, inferiores e subalternas, eram reservados três
destinos: escrava sexual, reprodução de mão de obra e exploração da força de
trabalho. Além disso, a cultura, a beleza e identidade do povo negro e indígena
foram negadas, destruídas e criminalizadas. Estamos falando de um sistema de
dominação que tem no cerne da sua estrutura o racismo e o patriarcado –
anteriores ao capitalismo mas muito bem apropriados por ele – e que tem como um
dos principais agentes de manutenção os meios de comunicação hegemônicos.
A mercantilização do corpo das mulheres é
representado pela grande mídia como valorização. O concurso para eleger a nova
Globeleza foi um desses momentos em que se afirmou em rede nacional:
“Viram como não somo racistas? Estamos aqui cultuando esse lindos
corpos negros”. Eles querem que vejamos a exploração dos nossos
corpos como um elogio. Para nós, não é elogio, é exotificação. Quando não somos
objetos sexuais ideais, tornamo-nos as indesejáveis, por vezes tratadas como
feias e nojentas. Nossos corpos sofrem ojeriza quando não estamos enquadradas no
papel de “mulata” sensual e provocante, ou então, o lugar que nos cabe é
permanecer como empregadas domésticas, a serviço dos patrões no quartinho dos
fundos, senzala do século 21.
A Globo, com seu discurso mentiroso de inclusão,
atua na lógica da omissão e naturalização da violência sistêmica que recai sobre
o povo negro, sendo vetor principal da criminalização e extermínio da juventude
negra, da invisibilização do trabalho doméstico e da culpabilização da mulher
pela violência sofrida. Quem ganha com tudo isso? Certamente não é a classe
trabalhadora.
A Globeleza é mais uma vez a reprodução de um
lugar e de um papel que só acumulam para a burguesia. Não é assim que queremos
nos ver na televisão! A Globeleza não representa os anseios das mulheres negras,
trabalhadoras e lutadoras. A Globeleza não é a afirmação da identidade, nem da
cultura e muito menos da beleza do povo negro. Nós identificamos e apontamos a
Rede Globo e suas filiais como inimigas das mulheres e instrumento da classe
dominante patriarcal e racista. Não é demais lembrar que o império das
telecomunicações da família Marinho – aqui na Bahia da família Magalhães, no
Maranhão da família Sarney, e por aí vai – foram construídos principalmente na
ditadura militar, roubando o dinheiro do povo brasileiro e derramando o sangue
de lutadoras e lutadores.
Compreendemos que para desmontar e destruir esse
sistema de exploração, a democratização dos meios de comunicação é questão
estratégica e fundamental. Queremos que as trabalhadoras possam pensar e
produzir seus próprios meios de comunicação. Só assim seremos de fato
representadas. Seguiremos em marcha lutando contra a mercantilização dos nossos
corpos e vidas! Nossa resistência é a reação!
Pela democratização dos meios de comunicação! O
mundo não é mercadoria, as mulheres também não!